JOYCE, Patrick, “The Republic of Streets: Knowing and Moving in the City”, in The Rule of Freedom: Liberalism and the Modern City, London: Verso, 2003

The republic of Streets é o principal capítulo de um dos últimos trabalhos do historiador inglês Patrick Joyce. The Rule of Freedom é um livro sobre o governo da cidade, em que se analisa as cidades inglesas, especialmente Manchester, desde o final do século XVIII, nunca deixando de generalizar ao introduzir exemplos europeus e americanos e até indianos. No primeiro capítulo o autor analisa uma série de dispositivos criados durante o século XIX destinados a ordenar e racionalizar o espaço urbano e os comportamentos de quem nele habita. Os vários processos utilizados para identificar os indivíduos (registos de nascimento, numeramento das casas, práticas de medicina social). A criação de mapas foi outra das inovações, deixou de ser um exclusivo dos militares para ser adoptado pela autoridade civil, que promoveu a racionalização através da procura de “verdade” na representação do espaço. Para governar racionalmente era necessário em primeiro lugar objectivar o que é governado, e estas práticas inserem-se nesse movimento. O segundo capítulo aborda o que o autor designa de naturalização do espaço urbano: a cidade como um corpo específico que necessitava de medidas específicas que melhorassem a vida de quem nela habitava. Analisando medidas de saúde sanitária, como o fim dos grandes mercados em espaço aberto (e a sua transferência para modernos mercados municipais) por exemplo, o autor sustenta que durante o século XIX uma série de politicas governativas transformaram o conceito de cidade. Mas nem só de políticas era feito o governo da cidade. Este era, naturalmente, feito por políticos. O terceiro capítulo analisa a transformação de uma ética governativa, a partir do século XIX regida pela abertura e publicidade dos actos de governo (ver por exemplo a produção de orçamentos). A nova cidade foi também uma cidade construída, o desenho da cidade obedeceu a parâmetros de objectividade e racionalização do espaço, uma cidade habitada por gente, em que o edificado tinha de ser útil e facilitador da vida dos habitantes.E é assim que chegamos à rua. Até aqui, como o próprio autor constata, os novos dispositivos de governo pareceram avançar livremente sobre a cidade. The Republic of Streets pelo contrário trata elementos essenciais para compreender o governo da cidade – a resistência e, consequentemente, a negociação. “Resistance is not the opposite of power but is corollary”, só existe resistência na medida em que existe um governo próximo. A rua é então entendida “as a place where the mutualities of power / resistance can be understood”, um palco privilegiado na negociação da ordem. Como espaço de liberdade as ruas deveriam ser vividas, experimentas e conhecidas. Neste contexto o autor examina a profusão de novos, mais complexos e completos guias da cidade, especialmente das ruas da cidade. Guias, roteiros, almanaques onde os discursos se conjugavam com a representação de mapas de uma cidade “aberta”. E o que havia para “ver” na cidade? Toda uma série de sociabilidades, das tabernas á música popular, passando pelo Carnaval e os espectáculos teatrais. Todos eles foram alvo da regulamentação do governo e em todos se assistiu a resistência e consequente negociação, resultando situações diversas.Liberdade na cidade significou, num aspecto fundamental, a melhoria na circulação. Diversificaram-se os meios, diminuíram as restrições. Mas nem todos foram beneficiados, assim de constata a progressiva marginalização dos pedestres. As dificuldades e limitações evidentes traduziram-se na procura de automatismos conciliadores entre quem andava e quem se fazia transportar em veículos. As faixas de rodagem, ou os semáforos por exemplo, agilizaram quem circulava em sentidos opostos, os passeios e as passadeiras permitiam uma melhor convivência entre veículos e pedestres. Como o autor assinala a rua ainda é um objecto de estudo desconhecido, e por isso temas apresentados como parte de um todo parecem ainda desconexos. Salienta no entanto que compreender a rua implica agilidade de análise que consiga aliar ângulos diversos sobrepondo e cruzando métodos e fontes. Mas, no essencial, conclui-se que a rua pode constituir-se como importante eixo de análise da vida urbana moderna.
Por Gonçalo Rocha Gonçalves.

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